O jornalismo impresso brasileiro passou por inúmeras alterações no decorrer dos anos. Inicialmente dominada pela opinião, hoje a mídia possui um discurso mais pretensamente isento de tomadas de posição e, desta forma, de interferências diretas na informação transmitida ao receptor. Duas teorias atuais tratam o jornalismo sob distintas perspectivas: como espelho da sociedade ou como interventor, como elemento agente no processo social. A relação entre o fazer jornalístico do início do século passado e o fazer jornalístico do início deste século evidencia a mudança na postura dos comunicadores brasileiros2. O relato, anteriormente mais poético e de postura declarada, no Brasil, transmutou-se em algo mais exato, mais ``isento''3. Esta estrutura mais direta de construção do texto é muito utilizada pela mídia diária, que trata as informações mais factuais, e que devem ser absorvidas de maneira mais imediata pelo público. A informação em cápsulas, devido a isso, se expandiu no cotidiano jornalístico brasileiro. Os fatos são apresentados em notícias curtas, preferencialmente explicativas e didáticas, para que a compreensão do que se fala seja imediata. Entretanto, um dos questionamentos que surge refere-se à capacidade e/ou aos instrumentais fornecidos pela mídia para que o receptor compreenda os fatos além do que está explicitamente exposto pelos meios de comunicação. Os meandros da informação, o conhecimento que permite a construção de uma visão crítica dos fatos nem sempre são apresentados através do chamado jornalismo informativo4.
Além deste gênero, existem também o jornalismo interpretativo5 e o jornalismo opinativo6. Esta subdivisão foi absorvida pelo Brasil do jornalismo americano. A cada dia os jornalistas brasileiros afirmam tentar evidenciá-la, na busca pela isenção e pela construção e manutenção da credibilidade perante ao público. Para isso, foi criada a divisão dos jornais impressos em editorias, por setores de interesse das informações. Uma destas editorias é a de opinião, elaborada com a intenção de mostrar ao público que o meio de comunicação se preocupa em separar o que é opinião do que é informação, não influenciando a compreensão das informações através da tomada de postura do jornalista e do jornal.
Para estudar a utilização das estratégias argumentativas no discurso jornalístico, trabalharemos com a análise da utilização de determinados termos na construção de sentido no discurso utilizado pelos meios de comunicação. Para isso, a análise em questão irá se referir a produções especiais, em suplementos produzidos pelo jornal Folha do Paraná, referente a reportagens especiais, muitas delas pretensamente investigativas7. Será avaliada uma edição do suplemento semanal Folha Reportagem, do jornal Folha do Paraná, no dia 28 de maio de 2000 - a reportagem especial ``Testemunhas em Perigo'' (Recorte 01 - R1). R1 traz três páginas em formato Standard sobre testemunhas de processos criminais. São, no total, oito matérias direta ou indiretamente vinculadas. A seleção do corpus para este estudo se deu através da relevância e da repercussão das pautas dos suplementos, mesmo que não se refiram especificamente a questões criminais8. Por se tratar de reportagens inseridas no jornalismo interpretativo, em muitos momentos é possível verificar uma infiltração de opinião na argumentação estabelecida pelos comunicadores, tanto na seleção dos fatos e fontes quanto na apresentação do discurso do meio de comunicação. As reportagens especiais que compõem o corpus do presente estudo possuem também uma grande porcentagem de espaço publicitário em sua apresentação. R1, possui aproximadamente 70% de material jornalístico e 30% de material publicitário, mesmo assim, a publicidade predomina na página de abertura do suplemento Folha Reportagem9.
Optamos por trabalhar, nesta análise, com trechos e frases reais, extraídos do corpus deste estudo. Por isso, e por ser o estilo de texto jornalístico caracteristicamente remissivo, em muitos momentos recorta-se uma amostra mais longa, que estende-se além da frase central, da qual se seleciona a expressão analisada.
O objetivo do estudo proposto é verificar como a utilização de alguns termos propicia a construção e a efetivação da argumentação jornalística em reportagens especiais. A verificação das implicações das distintas construções textuais pode auxiliar na compreensão das mudanças no fazer jornalístico e das variadas compreensões do conteúdo geradas pelas estruturas sintáticas apresentadas. O presente trabalho pretende vislumbrar, através dos estudos da AD10e da sintaxe, um panorama da produção discursiva jornalística no jornalismo impresso brasileiro.
Além disso, a partir das linhas de pesquisa propostas, busca-se diferenciar, na produção em questão, o tratamento dado a fatos de relevância e interferência direta no cotidiano dos receptores. Serão levadas em conta nesta análise também as especificidades do jornalismo impresso brasileiro, o que pode alterar a compreensão do analista sobre a construção textual em questão, interferindo em visões como a intencionalidade do discurso.
Assim, busca-se verificar a existência de mudanças nos efeitos de sentido, no que se refere ao discurso jornalístico impresso. Retomando a perspectiva de análise sob a ótica do produtor, como a pesquisa proposta trabalha com a interlocução e a interação mediados por recursos tecnológicos, pretende-se identificar algumas das principais alterações geradas pela evolução dos meios e da política brasileira no discurso do jornalismo impresso brasileiro.
A produção jornalística e as definições de suas especificidades, em muitos momentos, constróem-se a partir do conhecimento de senso comum - um saber cotidiano caracterizado por ser subjetivo, trabalhando com ``sentimentos e opiniões individuais e de grupos'' (CHAUÍ, 1994), além de caracterizar-se como generalizador, muito mais do que científico. Esta realidade da comunicação é, aos poucos, alterada. Hoje, o jornalismo, antes embrionário, busca definir padrões e critérios em busca de sua cientificidade. Para isso, apóia-se em outras linhas teóricas, como é o caso das ciências da linguagem.
Estratégias argumentativas
As estratégias argumentativas se apresentam nos mais variados estilos discursivos. O discurso jornalístico, assim como a maior parte da argumentação polêmica e das temáticas tidas como polêmicas, apóiam-se em recursos sintáticos para construir e/ou reforçar sua eficácia. Entretanto, no texto jornalístico, principalmente na prática do jornalismo interpretativo, observa-se a utilização da ironia e da refutação como estratégias essenciais.Ao optar pela ironia, é possível observar a presença de dois sujeitos no discurso: o enunciador e o locutor (DUCROT, 1987). O locutor está apresentado explicitamente, é quem apresenta o discurso ao interlocutor, a fonte do discurso. Já o enunciador é um segundo sujeito, nem sempre explicitado e nem sempre identificado no processo ilocutório, sendo, entretanto, o responsável pelo conteúdo expresso.
Pode-se também pensar, no discurso, na estratégia da refutação, também possivelmente polifônica, já que trabalha com a negação como denotadora do enunciador como uma manifestação de múltiplas compreensões. Busca-se em Nagamine Brandão (1998) a caracterização do ato refutativo como manifestação de discurso polêmico11.
Ironia
A verificação da presença de uma das estratégias argumentativas apresentada como hipótese neste estudo se observa através da constatação na mescla entre a informação e a opinião no corpus. A ironia é detectada no discurso nos momentos em que o texto demonstra a tomada de posição tanto do comunicador quanto de suas fontes - aqui, locutores e enunciadores do discurso.Embora a ironia trabalhe a questão mais contextual, abordando o discurso de maneira mais global é possível identificar em expressões, palavras e até mesmo em conectores características de polifonia que levam à compreensão irônica da mensagem. Desta forma, mesmo que se desvincule a expressão de seu contexto discursivo imediato é possível observar nela uma multiplicidade de interpretações, que podem ser facilitadas ou dificultadas pela realocação contextual. No caso de reportagens especiais, enquadradas no jornalismo interpretativo, é comum observar a utilização de condicionantes. Estes elementos podem ser apresentados no texto por distintos motivos, como: (a) a necessidade do jornalista ser, ao mesmo tempo, questionador e objetivo - assim, através do condicionante, apresenta a informação coletada e a questiona sem, no entanto, apresentar este questionamento como uma tomada de posição do meio de comunicação; (b) ironiza, através do uso de condicionantes, informações apresentadas a si pelas fontes admitindo, com isso, ter uma posição sobre os fatos que discute e investiga. Com a adoção da ironia como estratégia argumentativa - o que muitas vezes se dá de maneira não-intencional - o comunicador (interlocutor no processo discursivo) opta pela opinião, isentando-se de aderir ao discutido mito da objetividade jornalística12.